segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Hoje eu estive naquele mesmo lugar, dessa vez sem você. E lhe confesso, amor; que é bem desconcertante voltar à nossa antiga casa e respirar cada pedacinho procurando o teu perfume. E eu lembrei de uma centena de cenas que se passaram ali, do meu drama e da tua aventura; do meu romance e do teu terror; do meu jazz e do teu rock. E reviver essa história toda de novo foi bem avassalador.
Esperei que você chegasse, para que resolvêssemos o que haveríamos de fazer com aquele apartamento, que um dia abrigou uma vida que foi nossa. E seria um tanto quanto injusto presenciar outra pessoa com as declarações de amor que você me rabiscou no espelho, e com a parede pintada a quatro mãos naquele noite de bebedeira.
Construímos cada milímetro dessa jaula que por muitas vezes nos impediu de fugir, cada centímetro dessa incubadora que nos abrigou. E de muito afeto e calor, essas paredes formaram um lar. Eu fumava um cigarro na varanda enquanto esperava você chegar, e aquele cigarro durou dias. Havia um quadro inerte à minha frente: a vizinha não mudara o jarro de orquídea do lugar, as duas crianças ainda brincavam na piscina no domingo de manhã, o pátio ainda alagava nos dias de chuva, o vizinho de cima ainda ouvia ópera às 10 da manhã.
Em meio à essa estagnação tão rígida e concreta, o que é que em nós mudou? O que fez com que nós nos afastássemos tanto, meu amor? A ponto de estarmos aqui, a decidir o que faremos com a nossa vida. O que eu ainda posso guardar disso tudo que restou? O sofá, os móveis de cozinha, e as coisas do escritório. A televisão, o carro, as jóias. As ações na empresa, 25% do salário, a estante de mogno.
E os dias que deixamos para trás? E as promessas que não nos demos ao luxo de cumprir? E a vida que imaginávamos viver? Onde foi que deixamos todo esse amor escapar por entre um cotidiano tão iluminado nesse duplex?
Aqui parada nessa sala já vazia, me lembrei de fumar escondido nessa mesma varanda, morrendo de medo de você chegar mais cedo; e depois te abraçar de saudade, de vontade, de paixão; precisar ter você por perto para dar sentido à tudo isso. E te esconder as minhas rasuras, te exibir minhas doçuras. Onde foi que a gente se perdeu, minha vida? Onde foi que a gente perdeu a nossa vida?
"Até que a morte nos separe, amém" ; e a morte chegou antes que pudéssemos remediar; e na profusão de diálogos arrastados abrimos mão da inocência de um desejo. E nas louças sujas, nas toalhas lavadas, na cama desarrumada, perdemos aquilo que era nosso. Nos confundimos nas miopias litúrgicas da lama que nos assolou, e agora eu tenho que te olhar assim, meio amarrotado, com a barba por fazer.
E para minha surpresa, não, nós também não mudamos. Você me olhou da mesma forma que costumava olhar quando se sentia inseguro, e eu desviei o olhar assim como fazia quando não conseguia lidar com situações conturbadas. E o apartamento, o que faríamos?
-Tem planos pro almoço?
-Não, nada ainda.
- Podemos resolver essa questão do apartamento agora, tomamos um vinho e conversamos?
-Tudo bem.
Tudo bem mesmo. Um vinho, uma taça, uma garrafa. E a nossa vida novamente embreagada nos lençóis. O teu quarto, a cama que não era nossa, as nossas roupas jogadas pelo chão. E a nossa vida novamente entrelaçada nos carretéis do tempo. Dia seguinte, despertador. E vem a vida nos lembrar que a nossa vida; a nossa vida meu bem, já passou...

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