quinta-feira, 28 de maio de 2009

"Mar sob o céu;cidade na luz;mundo meu,canção que eu compus.Mudou tudo agora é VOCÊ."
Engraçado essa capacidade de dependência,de precisar viver para.Dedicar a vida à alguém é valioso,e merece uma reciprocidade inócqua,é a fidelidade de quem comete o sacrilégio;o silêncio mudo e sublime de quem goza junto.Ainda não descobri o que atrai mais:os versos de dor,ou os de amor.E enquanto meu coração oscila entre o que foi e o que jamais será,eu escrevo à você,meu amor.Você por quem eu de facto entreguei a minha vida inteira,por quem eu amei muito mais por egoísmo do que por amor.E hoje eu sinto uma falta absurda de tudo o que foi [e que não foi] vivido.Das tuas mãos geladas e da tua língua quente.Das palavras que por orgulho você não me disse,e dos cigarros que você insistia em fumar na cozinha.Pelo teu zelo e pelas mentiras sinceras que você por vezes me disse.Pelo teu cuidado em me enganar para que eu não desfalecesse,por honrar tão fidedignamente o meu amálgama para contigo.Ah,meu amor.Se nós não insistíssemos tanto em manter os mesmos erros;e se fechássemos os olhos para os contratempos da vida;poderíamos continuar nos amando com palavras hostis,e nos ferindo com beijos de amor.Poderíamos permanecer deitados na mesma cama que um dia nos traiu.Hoje eu sinto tanta falta...E me contento em reler os livros que você me deu,e clandestinamente reviro a tua vida,pra saber em segredo como você vive sem mim.E entre crises de euphoria e lapsos de lágrimas,eu procuro razões pra explicar o que me leva a depender tão instrinsecamente de você.Que laço é esse que me prende a você de forma que me faz acompanhar cada passo teu,e sem que eu perceba já estou ligando pra tua casa às 4 da manhã?Esse amor tão grande que estampa até hoje a minha sala com as tuas fotos nos porta-retratos,e com as tuas cartas na geladeira.E desculpe,mas ainda não consegui me desvencilhar do velho hábito de te ligar de manhã para desejar um bom dia,e de pedir aquele vinho que você gostava.Estranho falar de você usando o passado;uma vez que você se encontra muito próximo de mim.A verdade,amor;é que eu preciso de você pra ser eu.Preciso da tua froça pra atestar a minha fraqueza,e do teu sorriso pra certificar a minha competência.Preciso de você amor,pra encontrar meu lugar natural num mundo que não exite sem você.E não se preocupe,ainda durmo do lado esquerdo da cama;e a porta do nosso quarto está aberta enquanto eu espero a sua volta;e as suas roupas que ainda estão aqui,lavo semanalmente;e a aliança dourada ainda enfeita as minhas mãos.Dizer o quanto eu te amo seria redundante,e mesmo que eu perdoasse as tuas falhas(mais uma vez);não mudaria em nada a forma como eu te concebo.Eu lhe pertenço por inteira,e enquanto você não vem eu curo a minha abstnência em outras fontes pouco saciáveis.
É verdade que eu sinto muito a sua falta,mesmo quando você está ao meu lado eu sinto falta dos pedaços que você me rouba pela tua fatídica presença que me consome os olhares e as posturas,pelas minhas pernas que inquietas se cruzam sem cessar,e pelos meus sorrisos que se abrem felizes para te receber.Queria,dentre outras milhões de coisas,poder te dizer que você deixa a minha semana mais feliz,e eu espero ansiosamente que as minhas sandálias altas caminhem até a sala onde timidamente terei o conforto de estar ao teu lado.E poder quase que anonimamente te amar e te acalentar com o meu olhar,que capta cada movimento teu,desde o teu leve estrabismo que me cativa até o teu fálico tom de voz que me lambe os ouvidos.É um tanto quanto constrangedor eu assumir que eu preciso de você devido ao facto de você me suprir tudo o que eu já tenho.Dentre as minhas certezas que gritam pro mundo o meu orgulho e o meu egoísmo;eu preciso de você,da tua certeza e da tua segurança para me desproteger;preciso da tua virilidade para apaziguar a minha ilusória auto-suficiência.Eu preciso de você,não somente pelo facto de você ser quiçá o meu amor infantil;mas sinto que você é tudo aquilo que se escondia por detrás dos meus sonhos de menina,dos meus desejos de mulher.Preciso do teu abraço forte;e da tua postura viril,da tua hombridade,das tuas mãos grandes e da forma como você não precisa de ninguém.E enquanto você não vem,eu sorrio ao te ver e tento supor quais serão os próximos passos da tua estrada enquanto espero ela cruzar com a minha.
Nessa cidade cheia de gente,carros e poluição;eu navego pelas ruas procurando você;fantasiando diálogos e expressões que banalizariam tudo isso que ferve aqui dentro.Nessa noite eu não preciso de mais ninguém;tenho o conforto maternal do maço de cigarros em cima da mesa e da garrafa de vinho que me espera solitária na geladeira já vazia.Gostaria de te chamar pra um jantar,um café,uma transa rápida num motel barato;eu queria mesmo era me livrar desse peso gostoso que você me causa.Acho que isso que eu sinto pertence à você,te é inato porque foi você a causalidade.Enquanto você caminha alheio à tudo que te circunda,escondido por detrás dos teus olhos míopes que me encantam;eu sinto o meu dia diminuir,minguar,despedaçar.E é bonito,é como esperar o sol se pôr no Arpoador,ou sentir as ondas frias de Geribá.Revitalizante,é o que você é.Essa latência que tanto me incomoda agora, é fruto de tudo aquilo que eu não disse por medo de errar,do que eu não fiz por medo de ousar,do que eu não escrevi por medo de doer.Hoje eu passo a maior parte do tempo contando as horas em vão,esperando o teu carro passar na minha rua,o telefone tocar;e todas essas coisas que só quem ama espera.Esperar não é ainda a palavra certa pra dignificar isso que me confunde e me difunde.Eu não preciso da tua autorização para que eu viole a tua vida,negligencie o teu corpo;até porque não é o que eu desejo.Eu desejo o teu desejo;o teu instinto de me entregar incondicionalmente o que te pertence,a tua língua descobrindo as minhas fendas,do teu falo repousando em meus vazios.Talvez já fosse tarde para que pudéssemos tentar,para que você me dissesse as coisas certas ao invés de deixar escapar pelo teu timbre a tua insegurança.Mas você insiste em me surpreender com a tua maturidade ainda que incubada;e com a tua hombridade camuflada pelos traços do teu rosto,pela tua barba por fazer.Já passam das três da manhã,e é muito triste uma mulher da minha idade viver sozinha nesse apartamento tão grande,sem nem mesmo um cãozinho pra afagar os meus pés enquanto durmo.Fico feliz em ter você,mesmo que assim abstratamente,ilusóriamente;mesmo que por enquanto.
Hoje eu suspirei aliviada porque de facto me dei conta de que,apesar de não ter você,eu tenho tudo o que você me traz.O que é bastante reconfortante;eu tenho isso aqui,essas palvras que fluem tranquilas do meu coração para o seu num trajeto que se desvia e se perde devido à sua indiferença,à sua falta de percepção que não vê o quanto os meus olhos te querem,o quanto os meus braços te precisam,o quanto o meu desejo chama o teu.Ontem te vi tão bonito e tão indefeso,e ao mesmo tempo tão forte e tão seu.Eu ainda não me acostumei com a tua presença,e embora você atraia todos os meus olhares e posições,embora eu já me sinta completamente sua;existe alguma coisa que me impede de te olhar de frente,te olhar até você sentir medo,até você se sentir nu,até você se misturar nisso que eu sinto aqui dentro,e que é por você.Pra falar a verdade,já me acostumei com essa distância entre mim e o meu objecto amado;esse abismo que te deixa tão próximo de mim a ponto de eu não poder tocar.E eu sinto um frio que me congela,e faz permanecer uma melancólica latência dentro de mim.E eu já me contentei com os textos que eu escrevo toda noite pra aliviar essa superprodução de amor,e com os romances proibidos que me aparecem de quando em vez e me escondem no carro estacionado na estrada,me cobrindo de beijos vazios e silenciosos,e mantendo em segredo tudo o que puder acontecer.Sei que daqui um tempo,você estará sorridente na prateleira do meu quarto junto a todos os outros a quem eu amei,e não ousarei em dizer que com você foi diferente,e que você causou em mim uma emoção bonita que eu jamais pensei sentir.No entanto,assim como todos os outros,eu sentirei saudade de você;saudade de uma série de coisas que só você causa em mim,do misthério em te decifrar,da vontade de te ter bem perto,das frases tão ambíguas que você diz sem perceber..E enquanto o inverno insiste em chegar,eu agradeço a você pela inspiração,pela face bonita que Deus colocou em meu caminho e que alegra a minha noite algumas vezes na semana.E enquanto eu não tenho o teu calor pra me aquecer e a tua segurança pra me proteger,eu me satifaço com a tua paisagem na minha memória,com as reminiscências que não houveram,e transformo em palavras tudo aquilo que ainda está reservado pra você.
Bastou um dia ao teu lado pra eu mudar tudo o que ontem mesmo eu sentia e pensava.Te ver bem de perto me causou essa vulnerabilidade que me fez sorrir sozinha hoje enquanto caminhava pra distante de você.Ontem enquanto eu parei no tempo ao teu lado,vendo e invejando o teu sorriso bonito,e sentindo o teu calor que aqueceu as minhas mãos geladas,e ouvindo a tua voz firme enquanto eu devaneava pensando num futuro que talvez nos pertencesse.Por hoje me basta esse sentimento que me sucumbiu,que me engoliu os sentidos e me fez perder o tino.Por hoje me basta a saudade que eu vou sentir de você até a próxima vez que cruzarei o meu olhar no teu.E enquanto o tempo não chega pra gente,enquanto não saem da sua boca as palavras que eu tanto preciso ouvir,eu espero com o jantar à mesa e os lençóis sempre limpos.Porque ainda é umaemeiadamadrugada,e temos muita coisa pela frente nesse mês que desnuda a cidade e me trasporta pra sempre perto de você,mesmo que você negue,renegue,não veja,esqueça.
Psicanaliticamente eu sei que ao amar e desejar,sente-se angústia.E não poderia haver palavra melhor para definir isso que me acolhe agora:angústia.Uma sensação de impotência,medo de perder o que não me pertence,vontade de te segurar pelas roupas,pelos cabelos,pelas entranhas e te pedir pra ficar mais um pouco.Talvez fosse cedo demais pra dizer tudo isso que eu ouso dizer,mas hoje eu sei que por você,meu amor;eu mancharia os meus textos com qualquer frase de efeito,com qualquer clichê que tentasse explicar essa euphoria que me consome agora.Cada minuto ao teu lado me faz acreditar na eternidade de um momento que nos pertence,e qualquer coisa que você faz desperta o meu riso,as tuas mãos grandes e fortes sobre as minhas,ainda que tímidas.Gostaria de pedir que mesmo que você se fosse,que deixasse teus olhinhos agudos a me olhar,as covinhas do teu sorriso,a tua pélvis delicadamente sobre os meus quadris,e a tua voz acariciando o meu ouvido.Existem milhões de coisas que eu gostaria de te dizer,meu amor;coisas com as quais você seria incapaz de lidar.Te quero perversamente,neuroticamente,com todos os seus psicotrópicos e alucinações,com as tuas fraquezas e as tuas exuberâncias.Devo decerto afirmar que me impressiono com essa minha capacidade de sentir tudo isso mais uma vez,mesmo que agora você tenha aparecido na minha vida de forma bonita,de forma tão intensa que já se faz inevitável fundir você com isso que brota dentro de mim.Já está ficando tarde,e eu peço encarecidamente que você venha pros meus lençóis,pra minha cama,pro meu quarto,pra minha casa,pra minha vida;que você me invada sem pedir permissão.Eu preciso de você,e me sinto muito infantil ao assumir isso.Devo confessar também que além de desejar muito,eu tenho a certeza de que um dia a tua face bonita ainda vai enfeitar os porta-retratos da minha sala,da nossa casa,da nossa vida tão feliz,repleta de alegrias cotidianas desse nosso dia-a-dia tão feliz.Sei que não é tarde,amor.A luz ainda tá acesa,e dessa vez eu sei que vai ser diferente.
Eu queria mesmo era saber como eu perambulei pelo mundo sem ter você.Como é que as sapatilhas que bailavam risonhas tinham uma tênue alegria sem nem sequer te conhecer.Hoje só o teu nome me confere uma outra felicidade,uma felicidade euphórica e angustiante;uma infantilidade que retorna avassaladoramente sem que eu me dê conta.É me fazer criança de novo,desejando,esperando,contando os minutos pra estar do seu lado de novo,pra sentir seus olhinhos me olhando,também a sua angústia de não saber ao certo o que fazer.Se eu pudesse,perversamente te arrancaria os pedaços e te espalharia pela casa,pra ter a certeza da sua presença,pra eternizar o teu sorriso bonito e cristalizar as tuas vergonhas.Se eu pudesse,meu amor;faria um milhão de coisas que só você me instiga a fazer,me jogaria nos teus braços e pediria pra você me guardar pra sempre dentro de você.Deixaria as portas abertas,as janelas escancaradas pra quando você quisesse voar pra dentro de mim.Se não fosse essa terrível pressão superegóica,eu seria capaz de soletrar bem alto o quanto eu preciso de você nos momentos em que você me rouba os vazios ao me olhar assim,tão gentilmente.E enquanto essa angústia me consome,os dias vão passando felizes ao teu lado,trocando palavras inócquas e outras sem sentido algum,algumas outras com um certo tom fálico e muitas outras que se reduzem a sílabas&fonemas quando você me fita os olhos e me enlaça a cintura.Ah,meu menino,meu amor;se um dia você soubesse...
Não é novidade que a insônia acomete grande parte desses desocupados que dedicam suas solitárias madrugadas a pensar em suas vidas ligeiramente mal vividas.E ontem foi a minha vez.Percebi que tenho me aproximado de uma (sur)realidade subversivamente perversa e promíscua afim de me afastar do medo da solidão,da incapacidade,da invalidez,do fracasso.Pra ser de facto sincera,durante esses últimos anos tenho encenado mil e uma personagens,desenhado delicadamente sorrisos e olhares,e depois tento árduamente me convencer de que eu sou meus próprios personagens.Não entendo essa necessidade extrema de aprovação e caridade que eu clandestinamente emano.Não,não sei o que é o medo nem o desespero porque me protegi a vida inteira de sentimentos tão reveladores através de palavras sutis e sorrisos gentis;abri mão da minha dor para que eu me convencesse de que o mundo é realmente bonito.Confesso que não sei o que eu fiz de mim na tentativa de me descobrir nos braços alheios,para que eu me certificasse de que eu era sim capaz de amar.Estranho essa capacidade sobre-humana de amar,e lamentável o que se faz para ser abençoado por essa dádiva ácida e viscosa.Eu mesma já perdi as contas de quantas vezes errei tentando acertar;e de quantas palavras se foram em papéis rasgados no meio da noite.Já perdi as contas de quantas vezes precisei de vodka com muito gelo pra engolir e esquecer um facto intragável,amargo,líquido.Já não sei quantas vezes dormi rezando pra chegar o dia seguinte,e de quantas vezes me senti tão frágil a ponto de perder as fronteiras do amor próprio e implorar por um pouco de carinho e atenção.Já nem sei quantas vezes eu julguei amar no impulso latente e vívido por uma experiência mais decente do que as outras tantas.E hoje é domingo,à noite;e as circunstâncias agora conspiram contra mim e me induzem a ler um pouco de Clarice e ouvir um pouco de Bethânia,enquanto meus olhos se banham nessa água quente de sal.
Hoje enquanto o teu corpo debruçava sobre o meu no sofá da sala,e em meio às suas chantagens sempre pedindo algo em troca;eu lhe prometi um segredo que por medo ou insegurança eu calei.Se não fosse a prematuridade de tudo isso,e o pouco tempo pra tanto carinho,eu lhe diria um milhão de coisas que ficam guardadas esperando o tempo certo de serem ditas.Et pour toi,mon cher;eu guardo sentimentos bonitos e serenos,de uma tranquilidade mansa que é como se eu não percebesse que você chegou.Hesito em falar de mim e de tudo que me circunda advindo da tua magnitude que me surpreende e me escapa o controle das minhas próprias rédeas.O facto é que você provoca em mim um turbilhão de coisas velhas que se renovam na covinha do teu sorriso,e nos teus olhinhos agudos;e então eu cresço a cada dia que a tua luz brilha em mim,e passo a ver o mundo de outra forma..não tão ingênua quanto Lóri,e nem tão incrédula quanto o teu atheísmo;mas feliz,de saber que hoje,pelo menos hoje,eu tive o teu sorriso estampando o meu dia. x)
Instantâneo e imediato;é o acto da espera.Esperar que venha a noite,para depois esperar novamente raiar o dia.Bonita essa dádiva humana a de não querer esperar,a vontade impetuosa de chegar o minuto seguinte,que logo se injeta na veia tornando-se ominutoanterior.Incrível a velocidade com que o presente se torna passado,e o futuro se distancia cada vez mais.E a verdade que brota invisível no asfalto quente toda vez que eu insisto em sair às ruas é que,se não fosse por escrever,eu estaria presa nesse minuto chamado angústia;o que de certa forma é uma coisa instigante.A angústia antecede o desejo,precede a vontade;e psicanaliticamente falando,nessa efemeridade dos signos,eu procuro uma certa concretude para o significado dos meus próprios significantes.No entanto,tem sido cada vez mais difícil deixar a certeza da minha racionalidade para trás,abrindo mão de caminhos tracejadamente certeiros em prol de uma estrada tortuosa e florida de acontecimentos novos e surpreendentes.Tenho dado chance ao tão desconhecido diadeamanhã,já durmo com a luz apagada e não tenho medo de dizer o que o coração me faz dizer,mesmo sabendo que o que eu digo diz muito mais do que aquilo que eu de facto pretendia.Amanhã;é o dia depois de hoje.E hoje é somente hoje;alheio aos erros do ontem e aos ensejos do amanhã.E agora enquanto eu escrevo tranquilamente palavras desconexas que delineiam uma crônica difusa e prolixa, já não preciso de lítio,alcool ou nicotina para aliviar aquilo que se encontra no vão entre a espera e o milagre;até porque não suportaria a espera,e não compreenderia a magnitude do milagre.Obstinada,inflexível e um pouco descrente;seria a personagem ideal.Boba e infantil,sou eu diante das coisas que me aparecem genuinamente bonitas nesses dias onde tudo conspira mistheriosamente,reticentimente,hesitantemente;sem destino certo,numa velocidade absurda que de repente se esvai.E no fim,me sobram flores murchas e a nostalgia da grama insuportavelmente verde,que me fazem ver que apesarde;ainda me resta um quase que sobretudo me é um supertudo.
Dia desses uma moça me sorriu gentil pelas ruas de Icaraí.Uma gari,42 anos,quatrocentosequinzereaisaomês,cabelos escovados e lábios pintados de carmim.Ela me sorriu com uma alegria de quem não tem as mãos caleijadas,e não veste um uniforme que a identifica como uma prestadora de serviços.Ela não estava isenta de sua genuína beleza,no entanto não tinha identidade.Podia ser Maria,Joana,Helena ou Vera,mas naquele momento era somente uma mulher que varria as ruas.Aquele sorriso me disse mais do que eu esperava receber.Ela não tinha a fragilidade de Sylvia Plath,e nem mesmo a altivez de Cristiane Torloni.Ela podia ser Maria,Joana,Helena E Vera.Multifacetada e descolorida,era a mulher que eu vi na rua.Por debaixo do uniforme desforme,ela decerto escondia uma lingerie rendada,e uma cicatriz de cesaria.Era uma mulher generosa,e pude ver que as unhas estavam impecavelmente feitas.Café bem forte de manhãzinha,o almoço já preparado pra quando as crianças acordarem,a faxina ficou para o sábado,e a encomenda da vizinha chegaria hoje mesmo:havia comprado lençóis novos para a pequena cama de casal.A noite chegava se dissipando em vapor enquanto aquela mulher rumava de volta pra casa,onde telefonaria para a sogra,fumaria um cigarro na janela,e ensinaria a lição de casa às crianças.De madrugada cumpria sua função de mulher,e assim acordava sorridente no dia seguinte.E qual é o dia seguinte de nossas vidas?É uma página que já vem escrita,são fatos que se acumulam uns sobre os outros e assumem o controle sem que nos demos conta.O dia seguinte é simplesmente a continuação do vício de ontem,que será o mesmo vício de amanha.E para uma mulher,seja ela a gari da rua,a Sylvia ou a Cristiane,o dia seguinte é a incógnita do desejo alheio,é a resposta que precede o silêncio;é a angústia que antecede o choro.Para uma mulher,o que ela vale é o que ela doou.E é difícil saber quanto se tem num mundo onde só se perde,mesmo que seja preciso perder pra ganhar.E no dia em que a moça me sorriu feliz,fui eu quem perdi.
Já faz um tempo que eu perdi a práxis na escrita,e passei a me alimentar de ócio e ópio pra cobrir os espaços que as palavras que escorriam delicadas me presenteavam.Desde aquele dia em que você me negou tudo aquilo que de facto eu não precisava,eu esqueci como é que se faz pra viver de novo.Sinto que ainda é cedo,e ainda jaz no meu jardim a nossa antiga certeza.Sinto muito a sua falta,amor.A forma como você sorrateiramente entrava no quarto de madrugada,e o seu despudor em me descobrir quando eu só precisava do teu silêncio que nunca soube calar.Hoje eu vejo a nossa história tão feliz,e revivo os fragmentos ainda vivos ao sentir teu perfume no travesseiro,e ao rever aquelas photos.Existia um fluido bonito que me ligava a você,e que até hoje faz com que minhas mãos permaneçam inquietas quando você está por perto.É essa tua certeza,essa virilidade,essa forma como invejosamente você não precisa precisar de ninguém.É a tua abstinência e a tua segurança.Na verdade sou eu.É a minha insegurança,a forma como meus lábios se abrem para te receber,é a porta da casa destrancada,e as suas roupas sempre lavadas.Era mais fácil viver infeliz ao teu lado,porque apesar de tudo,eu tinha você pra fantasiar.Sinto falta dos momentos em que eu me senti perdida sem você por perto,sem as suas mãos pra entrelaçar as minhas enquanto eu atravessava a rua,sinto falta do teu rouco bom dia todas as manhãs,e até mesmo daquele perfume desconhecido na tua camisa.Poderia ter sido differente,se você não insistisse em se desculpar depois dos seus erros,e se você não rabiscasse declarações no espelho do banheiro.Eu poderia sentir por você essas coisas que eu já senti por todos aqueles que me acalentavam com os olhos,e me estendiam os braços;no entanto,você me tirou do eixo,e estremeceu as minhas crenças.Você me desviou do caminho,e plantou em mim o seu desejo um tanto quanto difuso;você me decifrou e me deixou despida,nua,vazia de tudo aquilo que me bastava.Existia a vida antes de você,e era uma vida colorida de sóis e girassóis;e hoje existe a vida calma depois de você,e os meus sonhos nas tuas mãos.Existe ainda o medo do escuro,e a sensação estranha de não descansar meu corpo no teu colo.Existe o limiar obtuso entre o que foi e o que não foi;e a minha vida sempre por um triz.Existem reminiscências e atos falhos que deflagram o quanto você ainda está latente em mim.Mas acima de tudo,existe o que existiu,o que houve e o que havia;e nessas palavras que mancham agora o papel,em cada letra eu te sinto presente,meu amor.Não me vejo te pedindo pra voltar,ou quiçá esperando a tua compreensão.Ainda tenho os cigarros que você me deixou,e as palavras serenas da analista toda semana.E de você;eu tenho aquilo que eu te entreguei sem medo e sem dor.E de mim,eu tenho essa essência rala e mesquinha que você recusou.
Eu nunca ousei dizer o quanto eu te amava,porque nunca quis ouvir o contrário.Na verdade,eu não sei ao certo o que me liga tão fortemente a você,uma vez que a tua indiferença me cobre de gelo e névoa,e a tua displicência me deixa sozinha nesta sala tão cheia de gente.Hoje de facto estou um tanto quanto sensível,e pensei em lhe escrever uma carta,um poema,um verso bonito para que você sorrisse ao ler as minhas palavras tão sinceras.No entanto,a tua imprevisibilidade me atordoa de esperanças,esperanças vãs,e eu aceito o pouco que você pode me doar,a fim de não lhe desagradar.Por vezes eu esperei palavras que nunca ouvi,e abraços que não recebi.Ainda é cedo pra tanta coisa,mas já é tarde demais pra me desvencilhar do bem que você me faz.Seja lá um bem perverso ou não,é você que eu quero,e foi você quem eu escolhi.Nunca temi a dor,a partida,a saudade,o amor.Mas você desperta em mim um alerta que eu hesito em atender,que eu evito perceber.Tenho oscilado bastante entre o querer e o nao querer,entre o acto e abstinência,entre o vício e a virtude;e se não fosse a vibratilidade disso que me apavora,eu poderia abrir mão de tudo sem olhar pra trás,e continuar a vida bonita que eu levava antes de você.Se você ao menos soubesse como é longo o hiato da espera,e como é triste a própria espera...Esperei resignada tudo que nunca veio,e ofereci a você delicadamente cada flor que eu cultivei no meu jardim.Te cuidei com a ternura maternal,te aceitei com a compreensão de quem perdoa,e julguei por limitação a sua incapacidade de amar.Eu já não posso me desfazer desse amálgama que me liga a você,e já não posso mais deixar a porta destrancada.E hoje,ao fim do dia,tentarei não te isentar da responsabilidade da minha neurose,e prometo também me silenciar sempre que o teu domínio me invadir;e principalmente,ter a coragem de te deixar na próxima vez que teu corpo se afastar do meu no meio da noite.

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Hoje durante a sua visita,eu realmente precisava da tua palavra,gostaria de lhe contar meu dia,e entre um sorriso e outro,dizer que por repetidas vezes eu pensei em você.Queria poder te abraçar demoradamente sem dizer nenhuma palavra,e depois ver você partir com olhar de saudade,e um beijo na testa.No entanto,você sentou calado e me pediu para também calar quando as minhas palavras se excederam.E depois,um pouco cansado,você aconchegou seu corpo junto ao meu,enquanto as minhas mãos repousavam sobre os teus cabelos;e foi assim que,clandestinamente,eu absorvi um pouco de você,e pude lhe oferecer algo que você não pôde se dar.

11/05/2008